terça-feira, 15 de abril de 2014

Eu juro que eu nunca atirei pedra na cruz; nem na lua...

Eu juro que eu nunca atirei pedra na cruz; nem na lua...

Mas, meus amigos e minhas amigas, e demais autoridades aqui presentes.

Eu tive o cérebro cortado e mexido em 2007. O médico abriu meu quengo, viu que não estava tão estragado, consertou o aneurisma gigante que se formou depois de uma lapada bem dada, costurou o rasgo feito com uma serrinha elétrica, e me devolveu à vida e a vida de novo.

Dois anos depois, o meu coração endoida em 2009 e o médico Maxwell descobre que eu estou com fibrilação atrial. Ele me envia às pressas para Goiânia e lá nos “Hospitel” (mistura de hospital com hotel) do Rassi, o médico Sérgio Rassi faz a ablação, e o médico Antônio Malan faz o implante de marca-passo. O aparelho é produzido pelo St. Jude Medical. Meu coração volta a bater normalmente sem a piração da fibrilação. Tive que brigar com o estado Acre na justiça para receber um remédio que custa, em média, R$ 250,00 nas farmácias. Recebo atualmente.

De lá pra cá, eu venho fazendo acompanhamento através dos profissionais de cardiologia contratados pelo estado do Acre para aferição do funcionamento e bateria do meu aparelho. O atendimento é sempre feito na Fundação Hospitalar do Acre, hoje também chamado de Hospital de Clínicas. Vou lá apenas para colocar o leitor magnético do computador para fazer a leitura das funções emitidas pelo meu marca-passo. Até aí, sem muita complicação. Primeiramente, o indivíduo vai lá e apresenta sua documentação pessoal e a carteira com as informações de portador de marca-passo. Comumente isso é chamado de “prontuário”. Nesse documento oficial ficam registradas as informações do paciente e do aparelho.

Toda santa vez que alguém precisa de atendimento em um determinado consultório, essas informações devem estar anotadas em fichas específicas e o corpo de profissionais e até o pessoal administrativo poderá saber como está a sua situação. Mas, às vezes, as coisas não funcionam corretamente. Alguns documentos são extraviados; e as informações, dos meus documentos e do meu marca-passo, contidas no meu prontuário não puderam ser vistas para comparar com os registros efetuados em outros momentos de verificação no meu aparelho. O meu prontuário sumiu.

Nesta última vez que houve verificação de marca-passo o meu prontuário não estava lá. Como resolver? Outro prontuário teve que ser iniciado como se fosse a minha primeira vez por lá. Meu aparelho parece estar melhor do que da última vez que fiz a verificação. E isso já faz quase um ano. Fui convidado para participar de um acompanhamento cardiológico por uma especialista para ver como anda a minha saúde cardíaca e obter uma atenção mais personalizada. Recebo uma ligação da alguém da Fundhacre para que eu vá, no dia seguinte, fazer essa consulta para o tal acompanhamento individualizado. Chegando lá, vou procurar os trâmites corretos para o tal atendimento. Espero bastante. E, surpresa! Os meus prontuários, tanto o antigo quanto o mais recente, sumiram. E eu vejo atendentes correndo pra cá e pra lá. Dizem que não encontraram meu prontuário. Sou solicitado a ficar numa fila para atendimento, e eu ainda não tenho a garantia se o meu prontuário foi encontrado. Nem no singular, muito menos no plural. Nada! O tempo vai passando e se aproxima das onze. Descubro que o paciente que está pra ser atendido antes de mim chegou às sete e meia, e nada! Procuro o pessoal administrativo e mesmo assim a solução não chega.

Ameaço desistir e a moça diz que eu serei atendido. Ela não quer saber se eu preciso tomar algum medicamento, se eu sou o mão-pelada, se eu sou realmente um ser humano. Pronto, desisti. Vim embora com uma sensação que tenho tido por muito tempo, depois das minhas gasturas existenciais pós-30: o ser realmente é um nada. Fico com uma vontade louca de falar com alguém responsável por esse tipo de atenção dispensada a mim e aos demais, posto que não foi ou nem deve ter sido diferente para o paciente à minha frente. Talvez tenha sido até pior.

Às vezes, eu fico matutando alguns tópicos filosóficos e físicos, e eu percebo que isso tudo é uma grande ilusão. Uma corrida para o nada; uma corrida para a escuridão fria e sem fim. Porque, veja bem, eu não era nada antes de receber a vida com 23 cromossomos do meu pai e 23 cromossomos da minha mãe. Eu me tornei eu. Mas, eu vou deixar de ser eu quando eu morrer; mas, eu ainda não morri, eu acho. Por essa razão, eu existo. Eu não precisava existir nos registros da Fundhacre. Mas, cardiopatia, fibrilação, marca-passo, e prontuários. Pronto, passo a existir. Em um passo de mágica, pimba!, deixo de existir. É uma gastura existencial sem tamanho: fisicamente, eu sei que nada serei. Prontuarística e clinicamente, eu sou realmente um nada. Eu não existo, nem mesmo quando penso.

O Obama deve ter mais informações a meu respeito do que o pessoal administrativo e clínico da Fundhacre. Apesar de que acho que ele precise bem menos. Até porque eu acho que ele não tem essa qualificação toda pra ser presidente dos EUA e que não vou ser tão útil ao governo americano. Mas, tudo bem. Aqui nós já tivemos até semianalfabeto na presidência. Todavia, deixar a minhas informações desaparecerem sem uma razão forte, é do cara do alho!

Esse niilismo existencialista que me perturba a vida é algo das horas de vacância ontológica e que eu sei que não há solução. Toda essa ilusão se originou do nada e ele voltará. Isso vale para tudo e para todos.

Mas, o meu prontuário não estava lá. Eu virei um nada mesmo.

Eu fico a pensar se eu estaria sendo punido por alguma força divina por eu não acreditar em porra nenhuma! Eu não acredito nem mesmo no Dólar. Ele já largou até essa vida de vender discos de vinil. Mas, me chega a certeza que eu não devo estar sendo punido! Se até as mulheres mais santas morrem. Conheço umas, então. Muitos, como os pastores universais da graça, Eudei Maiscedo, Valdomiro Dindim, Marcus Delici-anus, e tantos outros, também irão bater o cachaço. Mas, eu juro que eu não atirei na cruz; eu não blasfemei contra o Alcorão, nada tenho contra o Livro dos Espíritos; e acho as Iluminações de Buda bem interessantes.

Eu não atirei na cruz. Eu juro! Por que tanto ódio contra mim!?

Só tem uma coisa: eu prefiro um livro que fale sobre translação a um que fale revelações.

Do ponto de vista da Praxis, eu creio que seria muito fácil inserir todos os dados sobre um paciente em uma planilha fornecida pelo SUS. Ela poderia ser física, de papel; ou poderia ser virtual, em um banco de dados. Qualquer profissional da saúde brasileira com acesso a essa base de dados poderia ver e estudar as condições clínicas de qualquer paciente, e em qualquer lugar. Até na Estação Espacial Internacional seria possível acessar. Talvez, o aparelho que faz a leitura do funcionamento do marca-passo esteja enviando furtivamente as informações sobre os pacientes brasileiros e do mundo inteiro que tenham marca-passo para a Casa Branca. Mas, infelizmente, nem as informações físicas, nem as virtuais estavam lá para dizer e comprovar que eu existo.

Pense num vazio de lascar o cano!