Do AI-5 à PEC-37
Eu era criança. Eu vi o Exército Brasileiro chegar em Rodrigues Alves. Lá, eles construíram um grande alojamento e a efervescência militar era grande. Eles faziam incursões por aquelas matas costumeiramente. Eu me lembro muito bem que eu me escondia nos arbustos que a gente chamava de mata-pasto quando eu via aqueles aviões tipo teco-teco com a lataria pintada de uma cor meio verde-escuro. Eu não entendia porque aquilo ocorria. Eu imaginavam que tudo fosse algo comum por conta da proteção que nosso país precisava ter. Mas, que nada. Era a determinação do Regime Militar. Eu estava com 7 pra 10 anos. Eu lembro muito bem.
Nos meus anos de escola primária, eu comecei a estudar várias coisas como ainda se ensina. Mas, naquela época ainda estudávamos e aprendíamos por sílaba. Durante o regime militar, muitas canções foram criadas para os festivais. Algumas eu ainda lembro: "Eu te amo meu Brasil", "Esse é um país que vai pra frente.", "Animais irracionais.", "Obrigado ao homem do campo.", entre tantas outras. No decorrer dos anos escolares, eu me lembro de ter estudado uma disciplina chamada de EMC (Educação Moral e Cívica) no primário, na qual aprendíamos como o Estado estaria teoricamente organizado.
A quarta série primária era o máximo que se poderia alcançar em Rodrigues Alves naquele momento. Logo em seguida, tive que ir para Cruzeiro do Sul para dar continuidade aos estudos. Primeiro foi Flodoardo Cabral na quinta série; depois, da sexta à oitava, Craveiro Costa, que ficava mais próximo de casa.
Havia o segundo grau em Cruzeiro do Sul, mas meu pai queria que fôssemos para Manaus em busca de uma vida melhor. Lá, eu estudei o segundo grau na escola Marquês de Santa Cruz. Fiquei quase oito anos por lá. Já me sentia um manauara. Esse período de estudo colocou me em contato com outra disciplina chamada de OSPB (Organização Social e Política Brasileira).
Bem, ao longo dessa estada em Manaus, eu percebia que aquele era um local muito militarizado com muitos quartéis e presença das três partes das forças armadas: aeronáutica, marinha, e exército. Foram anos muito bons. Percebi também que EMC e OSPB tinham muita coisa em comum.
Logo em seguida, eu voltei para Cruzeiro do Sul, e tendo feito o vestibular para Letras - Inglês, tive que me mudar para Rio Branco. Tendo estudado a língua inglesa sozinho durante muito tempo para curar uma paixão platônica, encontrei outra - a língua e a literatura de língua inglesa.
Pelo fato de já ter bastante conhecimento de Inglês por causa da paixão, fiz 6 (seis) testes de proficiência do curso de Inglês e passei em todos.
Na UFAC, fiz uma disciplina com um memorável professor a quem tenho muita honra em mencionar e que se chama Clodomir Monteiro - uma vez que guardo boas lembranças da metodologia, da amizade, do conteúdo abordado, não tenho receio em dizer que, talvez, tenha sido a melhor disciplina que eu fiz na minha graduação. A disciplina era chamada de EPB (Estudos dos Problemas Brasileiros).
Foi durante essa disciplina de EPB que eu descobri nas minhas leituras que nos idos dos meus anos primários, eu consumia merenda com algumas substâncias químicas a ela associadas para promover a redução da capacidade cerebral dos estudantes e cidadãos brasileiros.
Desse modo, o consumo de tais substâncias não permitiria a evolução intelectual correta nas pessoas e isso as tornaria mais manipuláveis. Eu odiei saber disso. Eu até que gostava daquela merenda. Depois da disciplina com o Mestre Clodomir e algumas pesquisas feitas nos relatórios do pessoal contra o regime militar, minha crença em várias coisas começou a deixar de existir.
Novamente vi a ligação entre EMC, OSPB, e EPB.
Minha formação cultural, intelectual, e científica foi razoavelmente rica. EPB então foi um marco para eu poder entender porque o Golpe de 64 ocorrera. EPB me capacitou a perceber com uma acuidade mais forte o que chegaria a ser o AI-5. O Ato Institucional Nº 5. Este foi um dos maiores instrumentos de repressão psicossomática do regime militar e de negação da vida. Era a anulação da vida natural dos seres humanos brasileiros nacionais que se opunham ao regime. Era também a negação da vida social, cultural, política, e democrática dos brasileiros que clamavam por mudanças.
Os anos se passaram e a luta por liberdade, mesmo que tardia, continuava! O clamor por eleições e por escolhas livres, civis, e democráticas era grande. Queríamos eleições e não mais o regime militar totalitário que extirpava direitos e a vida de quem a eles se opusesse.
Os Caras pintadas. As Diretas Já! Constituição Promulgada! Vieram as mudanças. Voltou-se ao regime civil.
A Constituição Federal trazia muitas mudanças e dava mais direitos ao povo. Para esse mesmo povo, sem direito, foi criado um elemento muito emblemático e satisfatório: Ministério Público. Pessoas que concluem o curso de Direito em qualquer universidade brasileira e que esteja em gozo pleno dos seus direitos pode concorrer a uma vaga no Ministério Público. Os membros do MP têm prerrogativas constitucionais que são muito importantes. Uma delas é o poder, o direito, e o dever de fiscalizar, investigar, e encaminhar à Justiça os malfeitores e ignoradores das leis.
Pois bem, o regime militar criou o AI-5.
Agora, o nosso legislativo atual, desde as câmaras municipais até o senado, está cheio de cidadãos de conduta inaceitável, reprovável, e por vezes, até criminosa. Esses representantes do legislativo querem aprovar uma emenda constitucional chamada de PEC-37. PEC significa "Proposta de Emenda Constitucional." E essa já é a de número 37. O que o parlamento pra-lamento dos brasileiros quer aprovar é a anulação das prerrogativas do Ministério Público. Acabar com o poder dos que podem e têm dever de investigar as injustiças e ilicitudes promovidas por autoridades de todas as casas legislativas e poderes constituídos.
Isso é uma aberração e não deveria nem ser cogitada em um ambiente democrático.
Então, saímos de um período de completa anulação dos direitos no regime com o AI-5, e chegamos à PEC-37 para nos impor uma mordaça no Ministério Público. Isso não pode. AI-5 e PEC-37 são dois instrumentos deletérios que desumanizam e nos descaracterizam como seres humanos pensantes. Isso é inadmissível.
AI-5 já era! Agora, PEC-37?! Isso, nunca!
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